A tentativa de homicídio é incompatível com o dolo eventual, uma vez que nela não existe a vontade de produzir o resultado. Assim entendeu a 7ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo ao afastar a pronúncia de um réu por tentativa de homicídio qualificado mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, desclassificando a conduta para outros fatos que não são de competência do Tribunal do Júri.
Também foi determinada a remessa dos autos ao juízo de origem e a abertura de vista ao Ministério Público para análise da imputação ao réus sob esse novo viés. De acordo com os autos, o acusado dirigiu sob efeito de álcool, realizando manobras proibidas e trafegando na contramão até bater o carro em barras metálicas de uma rodovia.
Havia um passageiro no veículo que, segundo a denúncia, pediu inúmeras vezes para que o réu parasse com as manobras perigosas. Ao não fazê-lo, argumentou o MP, o réu assumiu o risco de matar o passageiro, "agindo com indiferença quanto à possibilidade de causar um previsível acidente fatal, somente não consumando este resultado por circunstâncias alheias ao se consentimento".
Ao acolher em parte o recurso da defesa, o relator, desembargador Fernando Simão, afirmou, de início, que a autoria e a materialidade foram comprovadas. No entanto, o magistrado se posicionou pela incompatibilidade entre o dolo eventual e a tentativa. Segundo ele, há diferenças importantes entre as modalidades de dolo.
"No dolo direto ou imediato, o agente quer produzir o resultado. Já no dolo eventual, espécie de dolo indireto ou mediato, o sujeito não quer o resultado, mas assume o risco de produzi-lo ao persistir em sua conduta. Ora, se não há vontade direta de produzir o resultado, parece-nos equivocada a figura da tentativa", afirmou ele.
O que há nesses casos, de acordo com o desembargador, é a assunção do risco de sua produção e adesão a essa possibilidade, e não uma ação dirigida ao resultado, a ponto de ser possível a interrupção do caminho do crime (iter criminis) por circunstâncias alheias a uma vontade que sequer se perfaz.
"Não bastasse, entendo que a situação dos autos, na verdade, caracteriza culpa consciente. É evidente a dificuldade de distinção da culpa consciente e do dolo eventual, na medida em que a previsibilidade do resultado está presente em ambos os institutos mencionados, e não apenas ao último", acrescentou o magistrado.
Segundo Simão, a grande diferença é que aquele que age com culpa consciente não deseja o resultado e acredita que é capaz de evitá-lo, enquanto aquele que age com dolo eventual aceita e assume o risco de produção. Para ele, no caso dos autos, o réu incorreu em culpa consciente, e não em dolo eventual.
"Pela prova posta, verifica-se que o réu, após consumir bebida alcóolica, passou a conduzir o veículo automotor e, acreditando em sua habilidade e em seu conhecimento da via em que trafegava, causou o acidente em questão, fatores que descaracterizam o dolo eventual. Cediço é que, geralmente, motoristas alcoolizados se colocam a dirigir, mesmo sabendo do risco de sua conduta, acreditando que nada acontecerá ou, ainda, que poderão evitar o resultado, elementos típicos da culpa. No presente caso, é exatamente isso que se verifica", disse ele.
Além disso, Simão afirmou que não se pode admitir o desvirtuamento do dolo eventual em razão das consequências do crime, que são gravosas, "com o intuito de driblar as brandas penas cominadas aos tipos culposos e apresentar resposta penal mais rigorosa". A decisão foi unânime.
Atuou no caso o advogado Thiago Amaral Lorena de Mello, do escritório Tórtima Stettinger Advogados.
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1500168-93.2020.8.26.0561
Por Tábata Viapiana
Fonte: Conjur